Assim como nasceu meu amor por
você, também morreu. De uma
maneira ridícula. Eu lembro bem,
cheguei na sua casa atrasada, perfumada
e sem grandes intenções. E você me
recebeu suado e sem graça porque, afinal
de contas, era tudo mentira que sabia
cozinhar. Pra piorar, a pizza chegaria
em instantes, mas seu interfone estava
quebrado. Você me olhou como uma
criança que é pega fazendo arte e eu
te amei loucamente. Naquele segundo,
a chavinha virou pra direita e catapuft:
te amei absurda e infinitamente.
Eu tinha motivos reais, palpáveis e
óbvios para te amar. Você é bonito, seu
abraço é quente, seu sorriso tem mil
quilômetros iluminados, seu humor me
faria rir 100 encarnações e você é bom em
tudo, mesmo não querendo ser bom em
nada. Seu coração é gigante, tão gigante
que você, por medo, prefere a superfície.
Mas eu te amei, mesmo, por causa
daquele segundinho, o segundinho que a
chavinha virou para a direita. O segundinho
da pizza e do interfone.
E assim foi por quase dois anos. Eu me
perguntava quando isso teria fim. Motivos
profundos, nobres e óbvios para deixar de
te amar também não me faltaram, mas
nenhum deles foi suficiente ou funcionou.
Você acompanhou com olhos humildes e
humilhados todos os passos da sua ex
naquela festa e eu continuei te amando.
Você confundiu Chico com Vinicius e eu
continuei louquinha por você. Você tinha
aquele probleminha de não segurar o prazer
e meu maior prazer sempre foi qualquer
segundo ao seu lado. Você me largou
sozinha naquele hospital, com a minha mãe
sem saber se tinha ou não metástase, e foi
para a praia com seus amigos bombados. E
eu, no fundo, te perdoava, te entendia, te
amava cada vez mais. Você me mandou
embora da sua casa, do seu carro, da sua
vida, da memória do seu computador, do
seu celular e do seu coração. Você me
deletou. E eu passei quase um ano
quietinha, te esperando, rezando pra Santo
Antônio te ajudar a ver que amor maior no
mundo não poderia existir.
Eu segui amando e redesenhando cada
dobrinha da sua pele, cada cheiro escondido
dos seus cantinhos, cada cílio torto, cada
risada alta, cada deslumbre puro com a
vida, cada brilho nos olhos quando o mar
estivesse bonito demais. Cada preguiça,
cada abandono, cada estupidez, cada
limitação, cada bobeira. Amava seus erros
assim como amava os acertos, porque o
que eu amava, enfim, era você.
CATAPUFT!
E eu me perguntava, quase já sem agüentar
mais, sem entender tamanha entrega
burra, quando isso finalmente teria um fim.
Quando minha coluna ia voltar a ser ereta,
minha cabeça erguida e meus passos
firmes? Quando eu iria superar você?
E foi assim, sem avisar, por causa de um
segundo sem grandes enredos, que a
chavinha, catapuft, fez meia volta e virou
para a esquerda. Me devolvendo a mim, me
devolvendo à vida. Dissolvendo você no ar,
trazendo cores, cheiros e possibilidades de
volta. Matando o homem que eu mais amei
na vida bem na noite de Natal.
Enquanto todos comemoravam o
nascimento de Deus, eu comemorava a
sua morte. A morte de quem e para quem
eu já tinha sido mais fiel, refém, escrava e
discípula do que para qualquer outro Deus.
Era véspera de Natal e você me ligou. Meu
coração se encheu de esperança, de pureza,
de fé, de alegria. Do outro lado, sua voz
nasalada e banal me disse, assassinando
meu coração e se suicidando na seqüência:
essa ligação não é uma recaída natalina, não,
é apenas porque eu tava aqui, sem fazer
nada, e pensei… quer trepar? Catapuft.
Não, eu não quero trepar. Mas quer
saber? Eu também não quero mais te
amar. O menino da pizza e do interfone
virou um homem solitário, infeliz e
descartável. Catapuft. Pode parecer
loucura, mas tirar você do meu peito foi
o meu melhor presente que já ganhei.
Tati Bernardi
Nenhum comentário:
Postar um comentário